Por que jovens com menos de 30 anos – portanto, nascidos em uma época digital em que celular, laptops e internet já eram lugar comum – se sentiriam atraídos por discos de vinil em vez de streaming de músicas, fitas de VHS e DVDs em vez de vídeos do YouTube, máquinas de escrever em lugar de laptops, filme fotográfico ao invés de câmeras digitais?
Mesmo que não se possa chamar isso de tendência, uma vez que é mais presente na cena alternativa, em ambientes de contracultura mais distantes do hype da mídia digital — ou seja, uma minoria — é algo que chama a atenção. É uma percepção que nos dá algumas pistas interessantes sobre consumo, posicionamento de marca e o que se chama de “autenticidade”. Itens que podem ser explorados e interpretados por algumas empresas no relacionamento com seus consumidores.
Essa busca pelo analógico e “ultrapassado” intrigou o professor de marketing Joonas Rokka, da escola de negócios francesa Neoma Business School. Afinal, esses jovens já nasceram em uma era digital e é de se estranhar que cultivem um “saudosismo” por coisas que não viveram.
Rokka conduziu uma pesquisa que nos traz três insights:
1) Não é do passado em si que os consumidores sentem falta, mas sim da sensação de contínua exploração e do prazer encontrado em universos estéticos do passado;
2) Tudo o que está facilmente disponível e em grande quantidade (por exemplo, conteúdos na internet) parece perder seu valor;
3) A fascinação pela nostalgia inclui a possibilidade de criar coisas únicas, artesanais, particulares e sem polimento. As possíveis falhas fazem parte da autenticidade e dão mais sabor do que tecnologias digitais “perfeitas”.
Em outras palavras, parece que a imperfeição, a imprevisibilidade e a personalização conferem uma aura “autêntica”, uma quase rusticidade e uma deliciosa espontaneidade que são a essência e o sabor da vida, ao invés do consumo sem críticas de uma produção abundante e pasteurizada que a internet cospe sobre nós. Tem tanta gente produzindo e consumindo conteúdo online (“prosumer”, termo cunhado por Alvin Toffler em 1980) que se tornou mais difícil pinçar o que é útil, de boa qualidade e verdadeiro.
Para Joonas Rokka, a cultura de consumo é muito apegada a seu passado. As tendências retrô e vintage são bons exemplos. As pessoas encontram conforto e aconchego ao fazer links com o passado em um mundo que está cada vez mais focado no futuro e que está se movendo a uma velocidade estonteante. “Os jovens adeptos das mídias analógicas querem sentir a sua cidade, ir para a rua, colecionar suas próprias impressões. Eles se interessam pouco pelo consumo massificado de conteúdos online”, afirma o pesquisador.
Uma visão mais simplista poderia levar ao questionamento: será o digital menos autêntico, menos prazeroso, focado em qualidade técnica mas não na experiência agradável de consumo? Ou seja, seria o digital “pior” que o analógico quando se pensa na experiência em si? O ponto é que não se pode comparar uma coisa com a outra. O prazer de recortar e colar manualmente para produzir em casa um fanzine de papel, por exemplo, ao invés de utilizar sofisticados softwares de edição de texto e imagem, tem seu mérito e seu objetivo, mas nada tem a ver com o conforto de se comprar online ou de se usar um GPS para localizar um endereço, por exemplo.
Diálogo com o hoje – Embora se trate de uma pesquisa acadêmica, Joonas Rokka optou por um formato bem contemporâneo para apresentar seus resultados. Ao invés de escrever um artigo formal para uma revista científica de seu segmento, Rokka optou por criar um minidocumentário em vídeo (Follow Me on Dead Media: Analog Authenticities in the Alternative Skateboarding Scene) e postá-lo na rede social Vimeo. Em linguagem informal, o vídeo está assim acessível para qualquer interessado, em vez de restrito apenas a seus pares com acesso a revistas técnicas/científicas. É a democratização do conhecimento, via redes sociais.
A experiência “verdadeira” – Se o comportamento “analógico” é de uma minoria, a busca por autenticidade, não. “As pessoas estão dispostas a pagar por experiências autênticas”, dizem James H. Gilmore e B. Joseph Pine II no livro Autenticidade – tudo o que os consumidores realmente querem.
Alguns exemplos: o Museu ao Ar Livre de Ballenberg, na Suíça, recria à perfeição a vida rural do país no século XVIII, com casas realmente antigas, utensílios e “personagens” em trajes de época preparando linguiças, trançando cestas ou cozinhando exatamente como se fazia naquele tempo; na Guinness Storehouse, em Dublin, você pode degustar a cerveja Guinness “clássica”; a pequena vinícola Torcello, em Bento Gonçalves (RS), envolve os visitantes com explicações sobre seu processo artesanal (e antigo) de fabricação de vinho; em Cancun, o parque Xoximilco oferece música, gastronomia e espetáculos com a “típica” cultura mexicana. Experiências “de antigamente” que atravessam gerações, e que mantêm essas marcas relevantes mesmo para novos consumidores.
Não, ninguém imagina que alguém – mesmo os mais radicais ou saudosistas – vai achar que deve abandonar seu celular, nunca mais acessar uma rede social ou abrir mão das facilidades que a tecnologia traz à vida moderna. O que se discute em termos de interesse e consumo é a mescla entre o digital e o “real”, aumentando os pontos de contato e interação das marcas com seus públicos e permitindo às empresas se perpetuar em um mundo que muda de maneira muito acelerada.
[por Mariela Castro]
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