CINE NEWS / Heróis da Marvel viram marcas valiosas nas mãos da Disney

Cena de Vingadores: recorde de público no Brasil 


       O bilionário empresário Tony Stark, mais conhecido como Homem de Ferro, pede ajuda ao cientista Bruce Banner — o incrível Hulk — para criar um robô capaz de assegurar a paz mundial. O plano acaba mal. O robô se corrompe, decide aniquilar a humanidade e vira o vilão da história. 

A trama é ponto de partida do filme Vingadores: Era de Ultron. Nos cinemas brasileiros desde 23 de abril, o filme atraiu 2,4 milhões de pessoas nos primeiros quatro dias do lançamento — a maior estreia em público da história no país. A produção de Vingadores 2 custou 250 milhões de dólares. Sua estreia nos cinemas de todo o mundo arrecadou 392,5 milhões de dólares — o quinto maior lançamento global (e o segundo registrado nos Estados Unidos). 

Os resultados são o ápice de uma reestruturação iniciada há uma década. Fundada em 1939 como editora de histórias em quadrinhos, a Marvel viveu anos de ouro entre as décadas de 60 e 80. Em meados dos 90, uma série de acordos malsucedidos a afundou em dívidas. As ações, que valiam 35 dólares em 1993, passaram a custar pouco mais de 2 dólares três anos depois. 

Para sair do sufoco, a Marvel vendeu ativos preciosos. A americana Fox levou os direitos sobre a legião de X-Men para o cinema em 2000. A japonesa Sony ficou com os do Homem-Aranha, lançando o filme em 2002. Só em 2005, com um empréstimo de 525 milhões de dólares, a empresa montou o próprio estúdio de gravações.

O primeiro filme da nova fase, Homem de Ferro, estreou em 2008. O faturamento com ingressos superou quatro vezes o custo de produção. Os números atraíram a atenção da Disney, que comprou a Marvel por 4,2 bilhões de dólares no ano seguinte. A partir daí, o portfólio de 5 000 personagens passou a ser revisto como um conjunto de marcas adormecidas capazes de render bilhões. 

De lá para cá, 11 produções já faturaram mais de 7 bilhões de dólares em bilheteria. Além do cinema, a empresa mantém o interesse dos fãs com seriados. O Demolidor, produzido em conjunto com a empresa de filmes e séries pela internet Netflix, alcançou um público de 4,4 milhões de espectadores — 30% maior do que o sucesso House of Cards. Tudo isso alimenta um próspero filão de licenciamentos. 

Em aquisições de grande porte, é comum que a compradora faça mudanças na gestão da companhia adquirida. Com a Marvel, a Disney fez o contrário — manteve a sede em Nova York e os principais diretores, como Kevin Feige, presidente da empresa desde 2007. “Isso ajudou a manter a fidelidade à essência de personagens nascidos há mais de 50 anos”, diz Sean Howe, autor do livro Marvel Comics — A História Secreta, publicado no Brasil em 2013. 

A arquirrival DC Comics, pertencente ao grupo Time Warner desde 1968, caiu nessa armadilha anos antes. O roteiro de cada filme, como Batman, Super-Homem e Lanterna Verde, foi entregue a diferentes produtores, que têm permissão da Warner para mudar traços das histórias originais — o que enfureceu os fãs mais fiéis. 

Para atrair aficionados de diferentes faixas etárias, a Disney buscou acordos de licenciamento pouco convencionais. Além de brinquedos, jogos e roupas para crianças, a empresa mirou o público adulto. A fabricante de bens de consumo Procter&Gamble produziu pela primeira vez um comercial de TV inspirado no roteiro de um filme. 

No dia 9 de abril, lançou em todos os países onde atua um anúncio cujo mote é uma joint venture fictícia da marca Gillette com a Stark Industries, empresa do Homem de Ferro, para lançar quatro lâminas de barbear com os mesmos superpoderes dos heróis de Vingadores. “É uma maneira de estender o vínculo entre a marca e o filme, em vez de simplesmente estampar os personagens na embalagem”, diz Rodrigo Puga, analista da consultoria de marketing TopBrands. 

A companhia de tecnologia Samsung também gravou comerciais usando como base o enredo do filme. A empresa criou três produtos especialmente para o filme: uma versão mais moderna de seu relógio inteligente, um celular transparente e um fone Blue­tooth menor do que os tradicionais. Todos aparecem na trama, mas nenhum deles está disponível para venda — são produtos-conceito. 

Desde abril, a companhia montou exposições desses produtos em 13 shoppings em quatro países, um deles em São Paulo. “A parceria extrapola a simples inserção do produto em alguma cena e deve ser duradoura”, diz Ricardo Barbosa, diretor de marketing e planejamento da Samsung no Brasil. 

Novos públicos 

Nos próximos meses, as mulheres estão no centro dos planos de segmentação da Marvel. Em Vingadores 1, lançado em 2012, elas representaram 40% da au­diên­cia nos cinemas. Um time só de heroínas, como a Mulher-Hulk e a Medusa, protagoniza a recém-lançada história em quadrinhos A-Force (algo como Força-A). As personagens já existiam, mas pela primeira vez formam uma equipe totalmente feminina. 

Outra frente de expansão é tirar do baú personagens menos populares. Neste ano, a Marvel estreia o primeiro longa do Homem-Formiga, herói capaz de encolher mantendo uma força incomum. No total, a empresa deverá lançar dez filmes até 2019. O último previsto será uma trama com os Inumanos, legião de heróis menos conhecidos, como Karnak, mestre de artes marciais. 

A Disney também espera usar a força adquirida com a Marvel para renegociar os direitos de heróis famosos, vendidos anos atrás. Em 2014, a empresa montou uma joint venture com a Sony para explorar o Homem-Aranha numa nova trilogia. 

Diante da tentativa frustrada de fechar algo semelhante com a Fox, detentora do X-Men para o cinema, a Disney colocou os personagens na geladeira em suas HQs. Diminuiu a frequência das revistas e ameaçou exilá-los em outro planeta. Pelo que se vê, a empresa parece disposta a usar seus superpoderes para multiplicar fãs e gerar bilhões.
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